Artigo em A Gazeta
O Jornal A Gazeta publicou mais um artigo do Presidente da Comissão de Folclore, no dia 23 de agosto último, destacando a cultura popular. Segue abaixo o artigo publicado:
Folclore e Cultura PopularEliomar Carlos Mazoco
Quando um jornalista como Clovis Rossi da Folha de São Paulo, diz que o “folclórico Presidente do Congresso Nacional Severino Cavalcanti”, emprestando ao termo o sentido de atrasado, anacrônico, de algo que devemos repudiar, como explicamos para os nossos alunos,- me perguntou um professor -, que folclore é as nossas bandas de congos, nossas folias de reis, nossos conhecimentos sobre as plantas e ervas e mais um sem fim de coisas que devemos amar e nos orgulhar e que nos dão a identidade de brasileiros?
Lembro então que a palavra foi criada como uma nomenclatura científica, que determinava um campo de estudo que, como disse o seu criador o inglês Willian John Thoms: “poderia ser (...) designado com uma boa palavra anglo-saxônica, folk-lore, o saber do povo”.
O que permitia a compreensão do seu significado e daí a sua aceitação era o fato de os aristocráticos intelectuais do século XIX, terem descoberto que o povo tinha cultura. Como demonstra o Romantismo, movimento que mais do que literário era político, voltado à afirmação das identidades nacionais que se formavam na Europa.
Vêm desse processo histórico de formação do conceito de cultura popular, muitos dos significados atribuídos à palavra folclore e que na verdade são preconceitos, como sendo algo rural, antigo, próximo a natureza, ingênuo, fadado ao desaparecimento, puro, que deve ser mantido sem contaminação, entre outras idéias que chamamos de românticas.
Mas a grande carga do preconceito entre nós vem da teoria das raças, que durante todo o século XIX, justificou com ares de ciência, o domínio da Europa sobre o mundo, a partir da ideologia de superioridade da raça branca.
Esta teoria apontava o Brasil, como fadado à desgraça pela formação do seu povo, que juntava na preponderância de índios e negros o que de pior haveria na escala de evolução humana. Esse discurso propagado pelos donos do mundo, era assimilado por nossas elites e por nossos intelectuais e reproduzido como políticas públicas.
O povo era um problema, as questões sociais eram resolvidas com polícia, e tudo o mais que vinha dele, exceto sua força de trabalho, devia ser reprimida e repudiada, como de fato foram, por exemplos mais ilustres, mas não únicos, a capoeira, o samba, o congo, o folclore, a cultura popular.
Este discurso bisado por nossas elites se cristalizou como significado da palavra, mesmo entre os nossos intelectuais mais brilhantes e responsáveis. Levando inclusive muitos pesquisadores a repudiarem na, como se ela expressasse conscientemente esta ideologia racista e preconceituosa.
Não aderimos a essa posição, pois as palavras e seus significados são construções históricas e, principalmente, políticas. Abandonar o seu uso como ciência e deixa-la como sinônimo de corrupção e atraso, pode ser capitular politicamente frente a um discurso racista do século XIX.
ELIOMAR MAZOCO. Historiador, Presidente da Comissão Espírito-santense de Folclore.